“Que,
diz a declarante, seu filho ora vítima, Leojaime, conhecido por “Leo” sempre
foi um filho maravilhoso, uma época da sua vida, usava drogas, porém, viu que
essa vida não dava para ele, deixou, após ter vendido uma motocicleta que
possuía e pagou as dívidas de drogas que possuía”. (transcrição ipsis litteris,
do termo de declarações da mãe de Leojaime prestado na 5ª Delegacia Distrital
de Bayeux), exatamente no dia em que o seu filho tombou morto, na Rua São José,
no Bairro de São Bento, na cidade de Bayeux, por várias mãos assassinas e por
vários balaços originários de armas letais, acionadas por essas mãos manchadas
pelo sangue de inocentes, cujas mães, num choro copioso, arrebatado e
agudamente desalentado, exprimem o único grito que ainda podem verberar, o do
desespero, já que não possuem para quem apelar, já que os que deviam fazer
algo, quedaram-se na inércia, como a confessarem o grande pecado: somos
incapazes, não sabemos pensar a resposta para os seus gritos aflitantes, apesar
de alojados nos maiores cargos da segurança do Estado. Seus gritos nos atingem
em cheio, nos deixam atordoados, pois nossa fraqueza no planejar nos proíbe de
olhá-las de frente e seus brados de cobrança, nos colocam nos menos elevados
degraus do inferno de Dante, aquele em que não merecemos nem honras, nem
ataques, pois, no momento e na hora certa fomos omissos, deixamos o tempo e o
momento certo passar e o medo nos impediu de ouvir e ver.
Falo
da mãe de Leojaime, mas conheço centenas delas, sem autoestima, novas e
fisicamente muito velhas, tristes, dos seus olhos nada mais brotam, são rios
ressequidos pelo sofrimento e falta de chuva de alegria, de ânimo, de
esperança, de coisas boas. Sou Promotor do Júri e da infância e da Juventude,
conheço as vítimas derribadas pelas mainças sanguinolentas do abominável
tráfico de drogas, cujas garras apodrecidas pelas vidas de Abnóxios,
permanecerão ainda mais retintas de plasmas dos futuros defuntos, cujas mães,
em seus choros fartos, diluvianos, mas desesperançados, servirão apenas para
denunciar de forma alarmante: as autoridades do nosso Estado falharam, nelas
não confiamos, delas nada mais esperamos, pois a dor da perda de um filho é
abundosa e opulentamente sentida, notadamente quando mesclada à dor do
descrédito, da ausência de fé, do desespero nas autoridades que deviam garantir
a paz, mas que não estão nem aí para os filhos da pobreza, que como Leojaime,
numa marcha renhida, engrossam todos os dias as estatísticas da criminalidade
na Paraíba e como algo palpável e que realmente percebemos, somente e apenas os
gritos encarniçados de mães alucinadas com esse espetáculo diabólico, sem
combate e sem resposta à altura.
Sim,
na Promotoria do Júri dialogo com mães descrentes, assim como Nitinha do Rabo
da Besta em Bayeux, a qual teve um filho subtraído por traficantes da forma
mais desapiedada que se possa imaginar. No dia do julgamento ela veio ao fórum,
disse a juíza que só tinha ido porque a justiça tinha lhe convocado, mas que
não tinha mais fé em nada e nem em ninguém. Seu choro me contaminou, aliás, já
ando contaminado dos sofrimentos desse povo invisível, que nossas autoridades
não conseguem vislumbrar e após o júri, ela não ficou para assistir, fui até o
Rabo da Besta, uma vila apertada, mais ou menos dois metros de largura, mas com
um córrego de esgotos, onde a fedentina insuportável é a maior marca do lugar.
Sim, fui lá, como não sabia onde se localizava a sua residência, saí gritando
alto pelo seu nome, até que ela surgiu na porta do seu humilde aposento e com
um sorriso nos lábios exclamou: “eu não acredito, é o promotor, me deixa eu
pegar para senti-lo e entramos na sua morada”. Dei-lhe a notícia e ela se
emocionou, chorou, não o choro do luto, mas o choro de ter naquele momento,
enterrado seu filho, seu matador foi sentenciado a 21 anos de reclusão.
Indago
as autoridades estatais da segurança: Por qual motivo não se aboletam das
macias poltronas giratórias e de grandes encostos e também não vão ao Rabo da
Besta, ao Cangote do Urubu, ao Campo da Sambra, à Vila São Vicente, para se contaminarem
dessa indignação e dali saírem acitados, incitados, pungidos, estimulados a
promovorem aquilo que essas mães carcomidas pela necessidade de compaixão, de
piedade, de solidariedade pelas mortes das suas crias originárias dos seus mais
recônditos e sacros interiores tanto almejam: principalmente de justiça e
principalmente mais uma vez, de um planejamento, de um projeto, de um ideal de
governo, embalado no lema: Vida longa à nossos filhos. O governo garante.
Promotor Marinho Mendes