“Bacalhau”
é um amigo meu há quase trinta anos, ele é um daqueles caras que como eu
nasceram ferrados, cuja fortuna de nosso pais era um dia com uma noite no meio
e de fartura, somente as mais variadas necessidades, “Bacalhau” não pôde se
formar, se educar como os filhos dos poderosos, das autoridades deste Brasil
esquizofrênico, ele teve que vender sua força de trabalho logo cedo, se
transformando num destemido “pião de trecho” como se diz na linguagem dos
sofredores, o trecho é a universidade da pobreza, pois é lá no trecho que vende
suas forças às construtoras, cavando valetas, descarregando carretas, abrindo
alicerces e outras tarefas manuais insólitas, brutais e extremamente desumanas,
mas é lá também que ele aprende um pouco da malícia do mundo, é no trecho que
ele começa a ver as diferenças selvagens e ignominiosas deste Brasil insensato.
Lá no trecho, os engenheiros andam de automóveis fechados e os “pião” em cima
de carrocerias de caçambas ou de caminhões surrados, é lá no trecho que ele
sente a mais desconforme de todas as violências, a desigualdade humana. Os
engenheiros e encarregados comem em pratos, em mesas de refeitórios, o
“pião”come em calotas de caminhão achadas na beirada do trecho e bebem água nos
filtros que a “melosa”, aquele caminhão com óleo e graxa que roda o trecho
substitui, debaixo de árvores, na beirada do trecho.
Bacalhau
é honesto, nunca furtou, um gigante no trabalho, não tem medo de serviço algum,
é lutador, fala a verdade, tem uma prole composta de mulher e seis filhos,
todos menores, ele nunca matou, nunca feriu um cidadão, nunca se corrompeu, até
porque político, administrador nenhum deste país, precisa corromper um “pião”
de trecho, mas somente aqueles que sangram as veias desses brasileiros
honrados, mas excluídos, atirados às margens da inclusão social.
Pois
bem, Há 15 anos, “Bacalhau”construiu uma pequena e franciscana barraca às
margens da BR 230, já no município de Cabedelo, logo depois de luxuosíssimos
condomínios horizontais, dizem que são os mais caros do Estado da Paraíba e
dessa barraca “Bacalhau” retira o seu sustento, o seu pão de cada dia, de forma
sofrida, agudamente cansativa, da mulher e dos seis filhos, e como já dito:
“Bacalhau” não vende drogas, nunca nem viu a abominável “pedra”, não é usuário
de nenhuma substância proibida, mas parece que ser honesto neste Brasil cruel,
preconceituoso e agudamente insensato não vale nada, estão de forma desapiedada
e nojenta perserguindo “Bacalhau”e para vergonha nossa, eu estou inconformado,
são autoridades e instituições que deveriam acolher “Bacalhau”, mas querem é
atirar “Bacalhau” na boca da maior de todas as desgraças, a boca dos piores dos
infernos, a do crime, pois ele me disse: “Marinho, se tomarem minha barraquinha
eu vou cometer suicídio ou vou assaltar”, eu solicitei calma, muita calma, mas
ele está desesperado, triste, depressivo.
A
perseguição abjeta teve começo com a presença de dois Patrulheiros da Polícia
Rodoviária Federal, que paramentados, armados e transportados por uma potente
viatura, os intimou a deixar o local sob as penalidades legais, mas como ele
não tinha para aonde ir, não pode atender a intimidação, mas logo depois, uma
notificação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes aportou
lá na barraca, bem na hora que os trabalhadores da área compravam o almoço a
“Bacalhau”, quase levando este a óbito.
As
coisas não pararam por aí, enquanto insolentes corruptos rondam a “res
pública” com ganância e avareza, aPOLÍCIA FEDERAL BRASILEIRA mandou
dois dos seus agentes na Barraca de Bacalhau, os dois policiais de escol,
levaram uma intimação para “Bacalhau” comparecer à presença de ilustrado
delegado federal e ele foi, não é ladrão, não é traficante, não é “publicano” e
o delegado extremamente descortês, ameaçou “Bacalhau” de tudo, o interrogou e
qualificou por violação ás leis deste berço esplêndido, com exclusão dos
“bacalhaus”,que lhe pareceu um bandido, por retirar de uma barraquinha às
margens da BR.
O
Inquérito Policial Federal foi devidamente concluído, pasmem, e foi remetido á
Justiça Federal e agora verbero com todas as forças o que mais me doeu, a
Procuradora da República de nome ILIA denunciou criminalmente Bacalhau
por violação ao art. 22, da Lei 4.504, de 30 de setembro de 1964, o nosso
Estatuto da Terra, não estranhem, ocupar dez metros quadrados, segundo a
sapiente visão da representante do ministério público federal, enquadra-se na
reforma agrária e assim, deveria ela pugnar pela desapropriação para proteger
“Bacalhau”e sua família, uma vez que a barraca de “Bacalhau” cumpre a função
social prevista na nossa Carta Magna e mais ainda, que O DNIT, A PRF, A PF e o
MPF, tirem os argueiros dos olhos e enxerguem que os bonitos e caros
condomínios, esses sim, invadiram a faixa de domínio da estrada, construindo
lustrosos jardins, com plantas que geram perigo aos condutores, mas que impedem
essas ínclitas autoridades de descortinar a ilegalidade, de processarem os
ricos proprietários, Já que é muito mais fácil correr atrás de “Bacalhau”.
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