Nunca tivemos tanta comida produzida no mundo,
mesmo assim um milhão de pessoas passam fome e outro milhão comem menos do que
necessitam. A fome é um problema de economia mundial. Em vinte anos, o Brasil
tomará dos Estados Unidos a liderança mundial na produção de alimentos. No
entanto, 49% dos brasileiros estão acima do peso, sendo 16% obesos, segundo o
Ministério da Saúde. A obesidade é um problema de saúde pública, logo, de
economia nacional. Por que esse disparate entre a grande quantidade de alimento
e a fome e o sobrepeso? Apesar das commodities agrícolas bombarem as bolsas de
valores, o sistema alimentar mundial tem falhas, e das grossas: o modo de
produção usa recursos naturais de maneira abusiva, o sistema está baseado na
industrialização, que artificializa o alimento, e a distribuição é concentrada
e controlada por poucos gigantes do setor. Alimentação em quantidade e qualidade
adequada e saudável é um direito humano, mas virou artigo de luxo.
Em seu discurso de posse, no dia 18 de abril, a
nova presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar, a antropóloga
Maria Emília Pacheco, criticou os agrotóxicos, os alimentos transgênicos e a
livre atuação das grandes corporações, apoiada na irrestrita publicidade de
alimentos, especialmente entre o público infantil, como nocivas para a
segurança e soberania alimentar. "O caminho percorrido historicamente pelo
Brasil com seu atual modelo de produção nos levou ao lugar do qual não nos
orgulhamos de maior consumidor de agrotóxicos no mundo e uma das maiores áreas
de plantação de transgênicos", afirmou. O país que está prestes a
tornar-se líder mundial na produção de alimentos abusa de venenos que causam
intoxicação crônica, aquela que mata devagar com doenças neurológicas,
hepáticas, respiratórias, renais, cânceres entre outras e provoca o nascimento
de crianças com mal formação genética. O uso massivo de agrotóxico promovido
pela expansão do agronegócio está contaminando o agricultor, que tem contato
direto com a lavoura envenenada, os alimentos, a água e o ar. Estudos
científicos recentes encontraram resíduos de agrotóxicos em amostras de água da
chuva em escolas públicas no Mato Grosso. O sangue e urina dos moradores de
regiões que sofrem coma pulverização áreas de agrotóxicos estão envenenados.
Nos últimos anos, o Brasil tornou-se o principal destino de defensivos
agrícolas banidos no exterior. Segundo dados da Anvisa, são usados em nossas
lavouras pelo menos dez produtos proscritos na União Europeia, Estados Unidos,
China.
É evidente que segurança e soberania alimentar
dependem de um sistema de produção alimentar bom, limpo e justo, sustentável e
descentralizado, de base agroecológica de produção, extração e processamento,
de processos permanentes de educação alimentar e nutricional. É estratégico
adotar a soberania e segurança alimentar como um dos eixos ordenadores da
estratégia de desenvolvimento do país para superar desigualdades
socioeconômicas, regionais, étnico-raciais, de gênero e de geração e erradicar
a pobreza extrema e a insegurança alimentar e nutricional.
Fico contente com a posse de Maria Emília Pacheco
por sua força de vontade política e clareza de que é preciso fortalecer a
capacidade reguladora do Estado, tanto na regulação da expansão das
monoculturas, como no banimento imediato dos agrotóxicos que já foram proibidos
em outros países, incluindo os que foram utilizados em guerras, como o
glifosato. E dar um o fim aos subsídios fiscais, rotular, obrigatoriamente,
todos os alimentos transgênicos, assegurando o consumidor o direito à
informação. Investir na agricultura familiar e camponesa é eixo fundamental que
deve estar na prioridade do governo. Ela gera emprego e renda para milhões de
pessoas, estimula a produção de alimentos e a diversidade de culturas, respeita
tradições alimentares e preserva a natureza, fixa o homem no campo e fortalece
as economias locais e regionais.
Desejo que a proposta da Política Nacional de Agroecologia
e Sistemas Orgânicos de Produção, em processo de elaboração por um grupo
interministerial, seja amplamente aprovada a aplicada para garantir a proteção
da agrobiodiversidade e de iniciativas como a conservação de sementes crioulas,
os sistemas locais públicos de abastecimento, circuitos curtos de mercado e
mercado institucional. É vencendo esses passos que um país deveria orgulhar-se
de ser líder mundial na produção de alimentos.
Por Tatiana Achcar | Habitat
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